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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2012 Chantelle Shaw. Todos os direitos reservados.

ATRÁS DAS PORTAS DO CASTELO, N.º 1492 - Outubro 2013

Título original: Behind the Castello Doors

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ®,Harlequin, logotipo Harlequin e Sabrina são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-3742-3

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

Capítulo 1

 

A estrada serpenteava pela ladeira, à luz dos faróis do carro. Quanto mais alto subiam, mais parecia chover. Tinham saído de Oliena há cerca de quinze minutos e Beth, ao fazerem uma curva, viu que as luzes da vila desapareciam ao longe.

– Ainda falta muito? – perguntou ao taxista.

Já se apercebera de que quase não falava nada de inglês, mas talvez tivesse entendido, pois olhou para ela por cima do ombro.

– Em breve, verá o Castello del Falco... Castelo do Falcão – explicou, com um sotaque muito cerrado.

– Então, o senhor Piras vive num castelo verdadeiro?

Presumira que a residência do dono do Banco Piras-Cossu, na Sardenha, seria uma villa muito luxuosa e que chamar-lhe «castelo» era apenas uma extravagância. O taxista não respondeu, mas o carro chegou ao topo de outra das montanhas Gennargentu e Beth susteve a respiração, ao distinguir uma fortaleza cinzenta na escuridão. Apesar da chuva, conseguiu ver que a estrada desaparecia numa entrada cavernosa. Os muros estavam iluminados por luzes que davam uma ideia do tamanho da construção e umas gárgulas surgiam entre as sombras, como seres fantásticos. Teve de se repreender, por se ter deixado arrastar pela fantasia. No entanto, à medida que o táxi se aproximava da entrada do castelo, uma sensação inexplicável de apreensão começou a apropriar-se dela e teve vontade de pedir ao taxista para dar a volta, e a levar novamente para a vila. Talvez fosse muito fantasiosa, mas tinha a sensação de que a sua vida mudaria, se entrasse no Castello del Falco. Olhou para Sophie e recordou-se de que fora à Sardenha por ela. Não podia voltar atrás. Mesmo assim, algo a embargou quando o carro passou pelos portões pretos. Foi como se tivesse abandonado um mundo conhecido e seguro, e tivesse entrado num outro, desconhecido e ameaçador.

 

 

A festa estava no seu apogeu. Da varanda que dava para o salão de baile, Cesario Piras observava os convidados que dançavam e bebiam champanhe e, através da porta, via mais pessoas à volta das mesas repletas de comida. Alegrava-se por estarem a divertir-se. Os empregados trabalhavam com afinco e mereciam o seu agradecimento pelos serviços que prestavam ao Banco Piras-Cossu. Os convidados não sabiam que o seu anfitrião estava desejoso de ficar sozinho. Lamentava não ter dado instruções à sua secretária pessoal, para mudar a data que escolhera para a festa. Donata só trabalhava há umas semanas para ele e não sabia que o dia três de março era uma data que estaria marcada na sua alma para sempre. Sem se aperceber, passou os dedos pela cicatriz que lhe descia desde o olho esquerdo até à comissura da boca. Era o quarto aniversário da morte do filho. O tempo passara e a dor dera lugar, lentamente, à resignação. No entanto, os aniversários continuavam a ser dolorosos. Aceitara a data da festa, com esperança de que as suas obrigações como anfitrião o fizessem pensar noutra coisa, mas Nicolo estava presente na sua mente e as lembranças eram como uma adaga cravada no seu coração. Ouviu um ruído leve e apercebeu-se de que não estava sozinho. Virou-se e viu o mordomo.

– O que se passa, Teodoro?

– Chegou uma jovem ao castelo e perguntou por si, signor.

– Uma convidada que chegou tão tarde? – perguntou, olhando para o relógio.

– Não é uma convidada, mas insistiu que tem de falar consigo.

Teodoro não pôde esconder o aborrecimento, ao lembrar-se da mulher com um casaco cinzento, enorme e encharcado, que deixara entrar, contrariado. Estaria a molhar o tapete da sala, onde a deixara à espera. Cesario praguejou em voz baixa. Só podia ser a jornalista que andara a persegui-lo, para lhe dar uma entrevista sobre o acidente que custara a vida da esposa e do filho. Cerrou os dentes. Talvez fosse normal que a imprensa estivesse fascinada com o proprietário esquivo de um dos maiores bancos de Itália, mas não suportava a intromissão na sua vida privada e nunca falava com jornalistas.

– A menina apresentou-se como sendo Beth Granger – acrescentou Teodoro.

Não era o nome que a jornalista lhe dera, quando conseguira o número do seu telemóvel. No entanto, aquele nome era-lhe familiar e lembrou-se de que a secretária lhe dissera que uma mulher inglesa ligara para o escritório de Roma, para falar com ele.

– Disse que tem de falar consigo sobre uma coisa importante, mas não me deu mais detalhes – explicara Donata.

A jornalista estaria a usar um pseudónimo ou Beth Granger era uma jornalista diferente, que também queria vasculhar o seu passado? Não estava com humor para o descobrir.

– Diz à menina Granger que nunca recebo visitas imprevistas na minha residência privada. Diz-lhe para entrar em contacto com a sede central de Piras-Cossu e para explicar à minha secretária o assunto que quer tratar. Depois, acompanha-a à porta do castelo.

– A menina Granger chegou num táxi, que já se foi embora... E está a chover.

Cesario encolheu os ombros, com impaciência. Conhecia muito bem os truques dos jornalistas, para sentir compaixão.

– Então, chama outro táxi. Quero que se vá embora imediatamente.

Teodoro assentiu com a cabeça e voltou a descer as escadas. Cesario olhou para os convidados no salão de baile e desejou que a festa tivesse acabado, mas ainda tinha de fazer um discurso, dar um presente a um executivo que ia reformar-se e entregar o prémio ao empregado do ano. Recordou-se de que a obrigação era mais importante do que os seus sentimentos. Era um conceito que aprendera com a família e que se enraizara quando se tornara o senhor do Castello del Falco. Os seus antepassados tinham construído o castelo no século XIII e a sua história corria-lhe nas veias. Além disso, escondia-o dos olhares do resto do mundo. A obrigação relegou a lembrança do filho para um canto mais remoto da sua mente. Respirou fundo e desceu para se encontrar com os seus convidados.

 

 

Beth alegrava-se por estar dentro do castelo. Tinha o casaco de lã encharcado e interrogou-se se conseguiria tirá-lo, sem incomodar Sophie. Seria impossível, pois teria de deitá-la no sofá e poderia acordar. Segurou-a com um braço, para soltar o primeiro botão e, pelo menos, tirar o capuz. No entanto, desistiu depois de tentar durante uns minutos, pois pensou que, certamente, Cesario Piras não demoraria muito a aparecer. Sentiu uma pontada de nervosismo e olhou à sua volta. O tapete cor de jade condizia com as cortinas de seda que cobriam as janelas e dois candeeiros iluminavam a tapeçaria que pendia por cima da lareira, mas a sala tinha paredes de pedra e era tão sombria e ameaçadora como o castelo visto do exterior. Voltou a repreender-se pela sua imaginação e tentou acalmar-se. No entanto, olhou para o bebé que tinha ao colo e rezou para que Cesario Piras fosse mais acolhedor do que o seu lar. Depois, abriram a porta e levantou o olhar, com o coração acelerado.

No entanto, viu o mordomo. Teodoro parou, com um ar de surpresa, ao ver o bebé que tinha ao colo. Não reparara nele quando a deixara entrar. Não se apercebera de que ela o tapara com o casaco, enquanto subia apressadamente as escadas que levavam ao castelo. Hesitou, olhou durante uns segundos para o bebé que estava a dormir e voltou a olhar para Beth.

– Receio que o senhor esteja ocupado e não possa recebê-la, signorina. O senhor Piras propõe que ligue para o seu escritório de Roma e fale com a secretária que se ocupa da sua agenda.

– Liguei várias vezes para o escritório.

Ficou atónita. Hesitara em levar Sophie para a Sardenha, mas Cesario Piras não atendera as suas chamadas e, desesperada, decidira que a única alternativa que lhe restava era ir a casa dele, com a esperança de que aceitasse vê-la. Perdera tempo, já para não falar do preço de um voo de Inglaterra, que quase não podia pagar.

– Eu gostaria de falar com ele sobre um assunto pessoal – explicou. – Por favor, importa-se de dizer ao senhor Piras que tenho de o ver, urgentemente?

– Lamento – replicou o mordomo, sem se alterar, – mas o senhor não deseja vê-la.

O olhar suplicante da jovem fez com que Teodoro sentisse pena, mas não tencionava incomodar Cesario, outra vez. A menina Granger, com o capuz posto, estava pálida e tensa, mas não podia ajudá-la. O senhor do Castello del Falco defendia a sua privacidade, tal como os seus antepassados tinham defendido a fortaleza da montanha. E ele, Teodoro, não ia desobedecer a uma ordem, para o enfurecer.

– Chamarei um táxi para vir buscá-la. Por favor, fique aqui até eu chegar.

– Espere...

Beth ficou a olhar para o mordomo que saía da sala e sentiu uma impotência desesperante. Mordeu o lábio. Em breve, teria de dar o biberão a Sophie, mas demoraria pelo menos meia hora a voltar para o hotel de Oliena e teria de lho dar no táxi, a não ser que conseguisse convencer o mordomo a deixá-la dar-lhe de comer no castelo.

Foi atrás dele, mas encontrou o vestíbulo vazio. Ficou sem saber o que fazer, até se abrir uma porta dupla e aparecer uma empregada com uma bandeja cheia de copos vazios. Beth tentou aproximar-se, mas a empregada desapareceu por outra porta. A porta dupla ficou aberta e Beth pôde ver homens com smoking e mulheres com vestidos de noite. Os empregados, com casaco branco, mexiam-se com desenvoltura entre os convidados e a música misturava-se com as conversas. Era uma festa! Beth indignou-se. Cesario Piras recusara-se a vê-la, porque estava numa festa. Nem sequer lhe dera a oportunidade de explicar o motivo da sua visita. Olhou para o rosto diminuto de Sophie e sentiu um aperto no coração. Prometera a Mel que encontraria Cesario Piras e não se iria embora do castelo sem ter falado com ele.

Atravessou o vestíbulo, mas hesitou ao chegar à porta do salão, onde se celebrava a festa. As paredes estavam revestidas de madeira escura, que resplandecia à luz dos lustres que pendiam do teto e umas colunas seguravam o teto abobadado, com murais refinados. Desejou que estivesse vazio, para poder apreciar a arquitetura e a sua história. A sua imaginação permitiu-lhe ver cavaleiros com armaduras, de uma época bastante remota. No entanto, a sala estava cheia de pessoas que a observavam com curiosidade e se afastavam, em silêncio, para a deixar avançar. A música cessou e um homem subiu para um estrado, no extremo oposto da sala. Segundo parecia, ia dirigir-se aos convidados, mas ficou calado ao vê-la e ela percebeu a surpresa, apesar da distância.

Beth questionou-se sobre a distância que os separava. O chão branco e preto parecia interminável, e interrogou-se se conseguiria ir até ao fim. O silêncio e os olhares inibiram-na, o coração acelerou dentro do peito, mas não podia voltar atrás. A arrogância e autoridade do anfitrião que estava no palco, indicaram-lhe que era o homem que Mel lhe pedira para encontrar.

 

 

Cesario olhou com incredulidade para a mulher que se aproximava. Pelo menos, presumira que era uma mulher, pois era muito difícil distinguir a figura que havia por baixo do casaco cinzento, enorme, com capuz. Só podia ser a jovem de que Teodoro lhe falara. No entanto, Teodoro não lhe dissera nada sobre o bebé que tinha ao colo, embrulhado num xaile. Respirou fundo, ao recordar o filho quando era assim, tão pequeno. Não sabia quem ela era, mas queria que se fosse embora, queria que todos se fossem embora, para ficar com as suas lembranças.

Teodoro, alterado, apareceu no salão de baile e dirigiu-se ao palco.

– Lamento, senhor Piras, estava a organizar o transporte da signorina...

– Não importa – Cesario levantou a mão. – Eu trato disto.

Ela hesitou por um instante, quando Teodoro falou, mas depois acelerou o passo. Cesario saiu do palco e ficou diante dela.

– Espero que tenha um bom motivo para interromper a minha festa, menina Granger. Tem trinta segundos para me explicar porque está aqui. Depois disso, irão expulsá-la da minha casa.

Beth abriu a boca para falar, mas o cérebro deixara de funcionar. Sentiu alívio, quando o mordomo confirmou que era Cesario Piras, mas não sabia como reagir. Era muito mais alto do que ela e tinha de levantar a cabeça para olhar para ele. Cravou os olhos na cicatriz que tinha na face esquerda. Evidentemente, desfigurava as feições bonitas dele, mas não diminuía o seu magnetismo sexual, antes pelo contrário, dava-lhe um ar de pirata ou de cavaleiro medieval. Não era como imaginava que seria um banqueiro. Tinha cabelo preto, que quase lhe tocava nos ombros. A barba incipiente e preta era perigosamente sensual, e as maçãs do rosto, tal como o nariz aquilino, davam-lhe um aspeto despótico. No entanto, foram os olhos dele que captaram toda a sua atenção. Eram cinzentos, duros como o granito e teve a sensação de que podiam ver a sua alma. Estava à espera que dissesse alguma coisa. Todos esperavam e o silêncio parecia ser ensurdecedor.

– Lamento muito a minha intromissão, mas tenho de falar consigo, senhor Piras... A sós.

Ele franziu o sobrolho, com uma expressão tão ameaçadora que ela agarrou Sophie com força.

– Como se atreve a aparecer aqui e incomodar-me?

Falava perfeitamente em inglês, embora com bastante sotaque. A voz dele era profunda e rouca, e Beth sentiu pele de galinha. Olhou para ela atentamente, em silêncio. Se estivesse sozinha, não teria tido o pejo de ordenar aos empregados que a expulsassem do castelo. Se era uma jornalista, tinha o direito de a expulsar, mas também sentia curiosidade por saber o motivo para ter trazido um bebé, numa noite tão má. Olhou para a criança e sentiu um aperto no coração. Também tivera o filho ao colo e também se maravilhara com a perfeição das feições diminutas dele. Também embalara Nicolo contra o peito e prometera que o protegeria. Ter falhado essa promessa, atormentá-lo-ia para o resto da vida. Ouviu uma ligeira tosse e regressou ao presente. Olhou à sua volta. Trezentos empregados de Piras-Cossu estavam convidados para a festa e todos pareciam estar fascinados com o que estava a acontecer.

– Acompanhe-me! – ordenou bruscamente. – Teodoro, diz ao grupo para continuar a tocar.

Beth seguiu-o apressadamente através da sala e entraram numa espécie de pequena adega, com prateleiras cheias de garrafas de vinho e champanhe. Ouviu a porta a fechar-se, virou-se e olhou para ele com cautela. Parecia ainda mais alto, num espaço tão pequeno.

– Porque veio, menina Granger? Espero, para seu bem, que não seja jornalista.

– Não... – Beth, espantada, abanou a cabeça. – Não sou... Eu...

Ensaiara aquele momento centenas de vezes, na sua mente, mas as dúvidas embargavam-na e o facto de Cesario Piras ser tão imponente, não facilitava as coisas. Talvez devesse voltar para Inglaterra sem dizer nada, mas prometera a Mel. Levantou o olhar e o seu coração acelerou. Encaixava perfeitamente num castelo medieval. Irradiava poder e autoridade, e teve a sensação de que era tão forte e inalterável como as paredes daquele castelo. Seria um bruxo, que a enfeitiçara? Não conseguia parar de olhar para ele e aconteceu algo inesperado, e inexplicável. Sentiu uma dor muito aguda por baixo das costelas, como se uma flecha se cravasse no seu coração. Não podia ser tão ridícula. Como podia sentir uma ligação com um desconhecido, que olhava para ela com impaciência? Desviou o olhar para Sophie e respirou fundo.

– Vim, porque o bebé que tenho ao colo é seu, senhor Piras.