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Rosie e os seus maravilhosos óculos coloridos

 

Editado por HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

Rosie e os seus maravilhosos óculos coloridos

Título original: Rosie Coloured Glasses

© 2018, Brianna Wolfson

© 2018, para esta edição da HarperCollins Ibérica, S.A.

Publicado originalmente por Mira Books, Ontário, Canadá.

Tradutor: Mariana Mata

 

Reservados todos os direitos, inclusive os de reprodução total ou parcial em qualquer formato ou suporte.

Esta edição foi publicada com a permissão da Harlequin Books, S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são usados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos comerciais, factos ou situações são mera coincidência.

Desenho da capa: Calderónstudio

Imagem de capa: Dreamstime.com

 

I.S.B.N.: 978-84-9139-271-2

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Rosie e os seus maravilhosos óculos coloridos

Créditos

Sumário

Prólogo

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19

Capítulo 20

Capítulo 21

Capítulo 22

Capítulo 23

Capítulo 24

Capítulo 25

Capítulo 26

Capítulo 27

Capítulo 28

Capítulo 29

Capítulo 30

Capítulo 31

Capítulo 32

Capítulo 33

Capítulo 34

Capítulo 35

Capítulo 36

Capítulo 37

Capítulo 38

Capítulo 39

Capítulo 40

Capítulo 41

Capítulo 42

Capítulo 43

Capítulo 44

Capítulo 45

Capítulo 46

Capítulo 47

Capítulo 48

Capítulo 49

Capítulo 50

Capítulo 51

Capítulo 52

Capítulo 53

Capítulo 54

Capítulo 55

Capítulo 56

Capítulo 57

Epílogo

Prólogo

 

 

 

 

 

Willow Thorpe conhecia a fricção. O calor que provocava uma coisa a esfregar-se noutra. Quando um mundo se esfregava contra outro.

Willow sentia-a sempre que se sentava no banco de trás do carro da mãe, apertava o cinto, agarrava na mão do irmão e se preparava para regressar a casa do pai. Sempre que olhava pela janela do carro da mãe e seguia as curvas familiares das ruas a caminho de casa do pai. Sempre que o pai abria a enorme porta de entrada e resmungava: «Outra vez atrasada, Rosie.» Sempre que a mãe respondia com um sorriso forçado e um: «Até logo, Rex.»

Sempre que olhava para o pai e se apercebia da forma como os joelhos dela batiam um no outro. Sempre que trocava paredes cobertas de quadros por umas completamente brancas. Sempre que trocava lápis de cera coloridos por uns amarelos de carvão número dois.

Willow tinha noção de que os filhos de outros pais divorciados fantasiavam sobre voltar a ter a mãe e o pai apaixonados. Sobre a mãe apertar a gravata do pai de manhã, antes de ir para o trabalho. Sobre o pai apertar o fecho do vestido da mãe à noite, antes do jantar. Sobre a mãe e o pai darem um beijo espontâneo nos lábios achando que as crianças não estavam a ver. Sobre molduras espalhadas pela casa a mostrar imagens de famílias completas: mãe, pai, um irmão e uma irmã, abraçados uns aos outros.

Mas Willow não pensava em nada disso.

Pensava no seu pai sério e exigente num mundo, e na sua mãe carinhosa e estonteante no outro. E nas três vezes por semana em que esses mundos chocavam um contra o outro.

Mas esse chocar de mundos, toda essa fricção e ardor, valia a pena para Willow desde que pudesse depois regressar ao mundo da mãe.

Pois nesse mundo, o amor da mãe era mágico e feroz. Willow sentia que esse tipo de amor podia cristalizar-se dentro dela e fortificá-la. Que podia preenchê-la no sentido mais verdadeiro e real. Que podia mantê-la segura e feliz para sempre.

Mas Willow estava enganada.

Em breve, na sua vida haveria confusão e tristeza, dor e perda. E o amor maníaco da mãe pela filha não conseguiria proteger Willow de nenhuma dessas coisas. De facto, podia até tê-las causado.

Capítulo 1

 

 

 

 

 

Há doze anos

 

Aos vinte e quatro anos, Rosie Collins acreditava que o amor era igualmente particular e desgastante. Acreditava que o amor verdadeiro entrava tanto pela parte de trás do lóbulo da orelha como pelo coração. Acreditava que havia uma maneira especial, única, de um ser humano poder amar outro. E pensava nessas forças únicas e invisíveis do amor sempre que via namorados juntos no parque, no metro ou sentados num banco. Imaginava os nomes que chamavam um ao outro antes de irem para a cama. O sítio favorito dele para colocar a mão. A camisa favorita dele que ela usava na cama. A tontice que ela dizia que o fazia rir sem parar. O quadro horrível que ele comprou para o apartamento de ambos que ela adorava ver na parede da sala.

Rosie começou a trabalhar na florista Blooms na rua 22 com a Oitava Avenida assim que se mudou para Manhattan, em parte por causa do dinheiro, em parte porque gostava da ideia de alguém chamada Rosie trabalhar numa florista. Mas acima de tudo, aceitou aquele trabalho para poder ter acesso a essas forças do amor. Tal como em todos os seus outros trabalhos menores, teria de desempenhar algumas tarefas rotineiras, mas desta vez a arranjar flores, a mexer na caixa registadora e a transcrever mensagens para cartões. No entanto, Rosie achava que talvez conseguisse aguentar-se mais tempo no emprego do que as habituais seis semanas, pois na florista Blooms viu o significado maior do seu trabalho.

Via-se como uma promotora do amor. Fantasiava com os milhares de histórias de amor em que ia testemunhar o mais ínfimo relance, quando os clientes lhe telefonassem um a seguir ao outro a partilhar um pequeno pedaço de si mesmos. Contar-lhe-iam qual era a flor preferida da namorada, o poema favorito da noiva. De como queriam um ramo perfeito para aparecer na secretária da esposa no dia do aniversário ou a seleção perfeita de flores para lhe dar os parabéns. Ou apenas enviar-lhe alguma coisa só porque sim.

Estava tão entusiasmada que passou o domingo inteiro antes do primeiro dia de trabalho a praticar a caligrafia. Rosie queria ter a certeza de que escrevia cada letra de forma única e a ornamentava o suficiente para refletir a beleza e originalidade do amor por trás do bilhete. Mal dormiu na primeira noite com a ansiedade de ir ter acesso à voz autêntica, nua e descarada do amor. Era uma voz que ela amava tanto, mesmo não fazendo ainda parte da sua vida.

Mas Rosie teve um desgosto logo na primeira semana na Blooms quando, dia após dia, homens ligavam a pedir para entregarem doze rosas vermelhas à namorada, mulher ou amante com um cartão onde simplesmente se lia «Com amor, Jim», ou «Do Tom», ou apenas «Harry».

Por acaso não havia algumas mulheres a preferir hortênsias, crisântemos ou lírios? Por acaso algumas dessas flores não iam para mulheres que preferiam cor-de-rosa, branco ou uma mistura de cores? Será que os homens apaixonados não sabiam esse tipo de coisas sobre as suas próprias namoradas? Será que não queriam preencher aquele cartão pequenino que acompanhava o arranjo com as palavras mais carinhosas, verdadeiras e perfeitas?

Quando se manda flores à mulher, não se quer com isso dizer: «Esta é a forma como ainda me sinto quando te olho profundamente nos olhos»? Quando se ama alguém, não se quer dizê-lo da forma mais perfeita, única e indisfarçada? Como é que todos aqueles homens amavam as mulheres com as mesmas doze rosas vermelhas e um «Com amor, John», «Do Rob» ou um mero «Colin»?

O coração de Rosie partiu-se ao pensar que o amor pudesse ser assim tão, tão banal.

Mas Rosie também não era do tipo de ficar de braços cruzados e coração partido durante muito tempo. Especialmente quando isso ameaçava a sua visão do mundo. Se os homens de Manhattan não conseguiam exprimir o amor corretamente, ela ia ajudá-los. Refinar-lhes-ia os gestos com toques únicos e originais, quer fossem ou não autênticos.

De modo que tomou como missão fazer com que nenhum cartão deixasse a florista Blooms com uma mensagem genérica ou uma assinatura penosamente aborrecida. Substituía todos os pedidos de bilhetes insípidos por outros que considerasse mais apropriados como gesto de amor. «Estavas linda ontem à noite. Com amor, Alex.»; «Acabo de pensar em como parecias tão encantadora mesmo com um pedaço de comida presa nos dentes. Amo-te, Ryan.»; «Sou uma pessoa melhor contigo por perto. Com amor, Charlie.»; «Espero que nos voltemos a ver muitas e muitas vezes. Um beijo, Ian.». E dava um grande sorriso ao atar cada cartão à volta do ramo antes de o mandar entregar.

Eram essas as histórias de amor de que Rosie queria fazer parte. Mesmo que não fossem reais, Rosie ainda acreditava que fossem de algum modo verdadeiras.

Durante semanas e semanas não houve uma única pessoa a mencionar os seus toques de amor. Ninguém, até Rex Thorpe ligar e pedir que fosse enviado um ramo de doze rosas vermelhas à namorada no 934 da Avenida Columbus.

— E o que quer escrever no bilhete? — perguntou Rosie sem entusiasmo.

Rosie já tinha falado antes ao telefone com esse género de homens com namorada no Upper West Side. Insolentes. Provavelmente com um emprego bem remunerado. Provavelmente bem-parecidos, mas também profundamente idiotas. Provavelmente com uma namorada bonita a quem raramente diziam: «Amo-te».

— O bilhete? Qual bilhete? — respondeu rudemente Rex.

— O bilhete que acompanha a dúzia de rosas vermelhas.

Pausa momentânea.

— Senhor? — acrescentou ela enquanto revirava os olhos e passava a sua condescendência pelo telefone.

— Sei lá eu.

Silêncio. E depois o som repulsivo de pastilha elástica a ser mascada ao telefone.

— Para a Anabel. Com amor, Rex. Acho eu.

E desligou.

Rosie achou Rex e toda a interação completa e loucamente insultuosa para com ela e para com o verbo amar. De novo.

E por isso preencheu o bilhete da forma que achou mais apropriada — com o seu poema favorito de E. E. Cummings:

 

Amor é mais denso do que esquecer

Mais fino do que recordar

Mais raro do que uma onda é molhada

Mais frequente do que falhar

 

É insanamente louco e lunar

E menos não poderá ser

Do que todo o mar que só

É mais profundo do que o mar

 

Amor é sempre menos que ganhar

Nunca menos do que estar vivo

Menos maior do que o menor começar

Menos menor do que perdoar

 

É o mais são e solar

E tão mais que não pode morrer

Do que todo o céu que só

É mais alto do que o céu

 

A seguir assinou-o em nome dele: «Amo-te, Rex.»

Tinha sido a primeira vez que Rosie tinha usado palavras de alguém para além das suas nos bilhetes. Nunca tinha invocado nenhum dos seus poetas favoritos. Mas dessa vez, com a idiotice suprema de Rex Thorpe a contrabalançar, parecia-lhe encaixar na perfeição.

Nem sequer para Rosie era claro se estava a tentar salvar a namorada de Rex de algum modo ou se estava implicitamente a mostrar-lhe algo sobre como deveria ser o amor. De qualquer modo, agora o esforço dela estava gravado a tinta e ia aparecer à porta de Anabel em trinta e seis horas.

E Rosie estava contente.

 

 

Quando Rex chegou à porta da namorada para receber os créditos pelas flores que tinha enviado, Anabel lançou-lhe imediatamente os braços ao pescoço. Sem que Rosie soubesse, Anabel era estudante de literatura e grande admiradora de E. E. Cummings.

— O teu bilhete é perfeito — disse Anabel ao namorado. — Vou guardá-lo para sempre. Também te amo — acrescentou.

Rex sabia que Anabel tinha a certeza de que iam casar-se e a Rex ainda não tinha ocorrido nenhuma razão para que isso não estivesse certo.

Recebeu o seu abraço desmerecido sem uma palavra em resposta. Mas quando viu o bilhete naquele ramo ficou furioso. Pois não estava nada interessado em linguagem floreada e não estava definitivamente interessado em ninguém a fazer fosse o que fosse sem a sua explícita permissão.

Aos trinta e seis anos, Rex Thorpe era simultaneamente sério e único sobre as coisas da sua vida. Sobre as suas calças Brooks Brothers e as camisas engomadas abotoadas de cima a baixo. Sobre a mobília Eames do seu apartamento. Sobre os restaurantes que frequentava no Upper West Side e os graus académicos das pessoas com quem convivia. Sobre o uísque que bebia e a forma do copo onde era servido. Sobre a marca da tinta preta da sua esferográfica. Sobre a visão dele próprio como homem respeitado de sucesso. Sobre ser um homem autêntico.

Rex concentrava a sua atenção de forma tão meticulosa e intensa em todas essas coisas que nunca sentiu que fosse lógico ou valesse a pena despender qualquer energia em Anabel DeGette. Nunca se preocupou o suficiente com ela para se desviar da sua forma de ser, mesmo que ela fosse suficientemente agradável e bonita. O próprio Rex estava perfeitamente ciente de que, se uma mulher agradável e bonita não fizesse parte da sua ideia do que era uma vida «bem-sucedida», provavelmente não se preocuparia minimamente com mulheres, de todo. Mas como fazia, sabia que ocasionalmente precisava de expressar algum sentimento de afeição enquanto simultaneamente ignorava a namorada e passava o tempo todo a trabalhar. E um ramo de doze rosas com um bilhete a dizer «Com amor, Rex» era o que ele tinha decidido ser necessário.

— Mas que raio de merda é que você fez? — gritou retoricamente Rex a Rosie no dia seguinte, ainda antes de ter ambos os pés à porta da Blooms. — Dei-lhe instruções claras para o bilhete. E em nenhuma parte essas instruções incluíam um poema de merda do E. E. Cummings. Quem raio é que pensa que é para interferir e manipular as minhas palavras?

Estava preparado para continuar a barafustar, mas parou abruptamente à vista de Rosie no seu vestido colorido pelo joelho. Com o cabelo castanho despenteado a escapar de uma trança meio desfeita. Com a franja que quase lhe cobria a curvatura das espessas sobrancelhas. Com as luvas manchadas de flores, tão comicamente grandes para as sem sombra de dúvida mãos pequeninas no final dos seus pulsos pequeninos. Com o corpo miudinho. Com o ligeiro arrebite do nariz. As sardas. A forma como os cantos dos olhos se curvavam alongando-se para baixo. A forma como bamboleava as ancas e entoava a melodia do Leather and Lace do Stevie Nicks e do Don Henley. A forma como brilhava.

E, mais importante do que tudo, a forma como ignorou por completo a fúria dele.

Rex emudeceu perante tudo aquilo.

Ficou parado, de boca aberta, desapontado por Rosie ainda nem sequer ter levantado o olhar na sua direção. Pensou que podiam cruzar olhares. Só por um momento. Queria cruzar o olhar com ela. Queria olhá-la diretamente nos olhos e ver algo de novo.

 

 

Sem sequer levantar o olhar do seu aparo diário de espinhos, Rosie sabia que era Rex quem tinha irrompido porta adentro. Espreitou rapidamente por debaixo da franja. Bem-parecido e idiota, de facto.

Tentou manter o olhar baixo, em direção às rosas que tinha nas mãos enquanto Rex falava com ela, mas perdeu a batalha quando as palavras pararam. Encontrou os olhos de Rex Thorpe por um mero instante e lá estava tudo. As sobrancelhas rebeldes. Os ombros fortes. A pele suave. As covinhas nas bochechas. O cabelo preto.

A presença.

Rosie não conseguia aguentar estar na loja com aquela tensão esmagadora. Aquela repulsa e atração simultâneas. Por isso abanou as mãos até as luvas de lona caírem em cima do balcão. E então pegou na sua mala de lona cheia de cadernos de notas escrevinhados e gulodices e escapuliu-se à frente de Rex sem dizer uma única palavra. Concentrou-se de tal modo em sair porta fora e deu tão pouca atenção ao que se estava a passar na loja que nem sequer parou para se aperceber do lápis de cera azul e da meia dúzia de moedas a caírem do bolso da mala que arrastava atrás de si.

Enquanto caminhava em direção à porta, sentiu outro arrepio. Apesar de não partilhar o mesmo princípio de Rex, admirava-lhe bastante a autenticidade. Nem todas as pessoas, todos os homens, exprimiam a sua opinião daquela maneira. Nem todos permitiam que os outros soubessem assim o que os tinha magoado. O que os tinha irritado. Agradado. Excitado. Havia uma sensualidade na autoconfiança de Rex. A sua masculinidade. As suas convicções. Mas mesmo com todos aqueles pensamentos sobre o homem tão firmemente especado no meio da Blooms, Rosie desapareceu dali para fora e decidiu tirar a tarde de folga.

Subiu para a bicicleta e, sem se preocupar minimamente, dirigiu-se diretamente para o seu ramo favorito do salgueiro de Central Park. Só com a melodia do Leather and Lace na cabeça. E o aroma silvestre de Rex no nariz.

Capítulo 2

 

 

 

 

 

Acontece que Willow Thorpe odiava as quartas-feiras. Pelas leis do divórcio, as quartas eram sempre dias de pai. E os dias de pai eram cheios de trabalhos de casa, de aulas de piano e listas de tarefas.

Mas não passou muito tempo até a mãe conseguir fazer das noites de quarta-feira as favoritas da semana de Willow. Com mais uma aventura, mais uma oportunidade para receber tanto amor.

Willow enfiou a sua t-shirt preferida do Keith Haring por cima do seu cabelo forte até lhe cair sobre os ombros. Sorriu quando se olhou ao espelho para escovar os dentes e se viu a usá-la. Adorava aquela t-shirt demasiado grande com linhas grossas onduladas e cores vivas. Adorava como espalhava alegria por todo o lado. Como as figuras pareciam tão simples e tão felizes a dançar juntas.

Limpou a pasta de dentes dos cantos da boca e enfiou-se debaixo dos lençóis. E depois esperou. Fechou os olhos com força como se estivesse a dormir. Mas não estava nem perto disso. Depois esperou mais um pouco. E quando o despertador da meia-noite tocou, era como se todo o tempo do universo, e tempo nenhum, tivesse passado.

Com um formigueiro à superfície da pele, Willow enfiou os chinelos, agarrou na lanterna da mesa de cabeceira, deslizou a almofada para debaixo dos lençóis para o caso de o pai vir vê-la e desceu delicadamente em bicos de pés as escadas das traseiras. Agarrou no corrimão para se equilibrar, mas desceu os degraus com naturalidade. Era uma pena que Willow estivesse na sua forma mais graciosa naquela escadaria escura a meio da noite quando ninguém a ia ver.

Willow pousou os dedos dos pés lentamente, de propósito, na alcatifa luxuosa que cobria cada degrau. Passou pela cozinha, escapuliu-se pela porta das traseiras e fez o caminho até ao extremo oposto do jardim. Aquele momento, parada à beira da relva perfeitamente aparada sem mais nada à frente a não ser árvores gigantes, fez o seu coração tremer. Era apenas Willow ali sozinha no escuro. Não havia mais nada para além do sincopado som das cigarras e dos ténues sons crepitantes do bosque. Nada para além da fresca acidez do ar noturno de outubro a encher-lhe os pulmões.

Podia sentir a excitação a pulsar-lhe nas veias. Estava na extremidade do mundo do pai e à beira do precipício do da mãe. Ali era a entrada para a felicidade.

Desatou a correr pela relva densa para as profundezas das árvores. «Só trinta e sete passos e meio», disse a si mesma enquanto se apressava sobre as folhas secas caídas e paus fininhos até à casa da árvore. Ela e a mãe tinham uma vez contado os passos. Rosie até se tinha assegurado de contar com o comprimento da passada de Willow em vez da dela.

E quando Willow chegou à base da escada que levava até cima, fez o sinal: três cliques da lanterna. Depois esperou, de olhos bem abertos e coração a bombar. E sem se fazer esperar, Rosie devolveu o sinal e pôs a cabeça de fora da base da casa da árvore.

Willow queria sempre subir tão rapidamente a escada de cada vez que via a mãe, mas sabia que os seus joelhos fracos não se conjugavam com os bambos degraus de madeira. Mal era capaz de se manter em pé no chão liso do corredor do quinto ano, quanto mais numa velha escada. Por isso subia devagar, colocando os dedos em torno de cada degrau de madeira, agarrando-os depois com toda a força enquanto deixava o pé subir lentamente, um degrau de cada vez.

E quando Willow finalmente chegasse ao cimo, a mãe ia levantá-la pelos braços e beijá-la com toda a força na bochecha, tão decidida. Juntas, Willow e a mãe iriam cantar, dançar, falar e desenhar à luz da lanterna. Iriam pintar e fazer guerras de polegares, jogar Twister e à moeda. Iriam fazer caretas à vez. Iriam amar-se tanto uma à outra.

E quando as paredes da casa da árvore estivessem cheias de novos desenhos, as suas bocas cheias de coloridos cristais de açúcar Pixy Stix[1], as barrigas de gasosa, e o ar da casa da árvore ficasse saturado com sons do Elton John vindos das pequenas colunas da mãe, Willow deitava a cabecita no seu colo e suspirava.

— Mamã, porque é que tu e o pai se divorciaram? — A voz suave e rouca de Willow ouviu-se no silêncio.

— Bem, gostas mais de ser acordada pelo sol ou por um despertador? — perguntou-lhe Rosie.

— Pelo sol — respondeu Willow muito rapidamente.

— Eu também, meu amor — disse calmamente Rosie enquanto beijava Willow no meio da sua testa suave. E depois Willow suspirava outra vez no colo da mãe.

Quando o relógio de Rosie dava a uma da manhã, ela e Willow arrumavam as embalagens e brinquedos, apagavam a lanterna e balançavam-se escada abaixo. Rosie com calma e Willow com uma concentração total.

E quando Willow chegava à porta das traseiras da casa do pai, esperava e observava a mãe a afastar-se na descida do caminho de entrada. Observava o cabelo de Rosie a balançar-se levemente enquanto os seus braços delgados se mexiam para manter a pilha de gasosas, doces e lápis de cor mal empilhada contra o seu peito. Willow observava a mãe em toda a sua serenidade, toda a sua efervescência, até ser gradualmente absorvida pela escuridão.

Inevitavelmente, antes de desaparecer, Rosie deixaria cair um lápis ou marcador e deixá-lo-ia rolar pelo chão sem mostrar qualquer intenção de apanhá-lo. A sua mãe nem sequer parava para perceber o que tinha sido o ténue som da coisa que se lhe tinha escapulido dos braços e batido no asfalto. Rosie limitava-se a entrar no carro onde as luzes do interior lhe revelavam a silhueta de novo. E quando baixava os vidros, levava as duas mãos aos lábios e estendia os braços para fora na direção de Willow. Era ela a mandar um beijo através da escuridão aveludada diretamente até à alma de Willow.

Então a mãe ia-se embora.

Willow regressou à entrada com a lanterna no mínimo para apanhar o lápis de cera perdido e levá-lo para cima com ela. Rolou o cilindro de cera cor-de-rosa escuro nas mãos e examinou a etiqueta do lápis — Doce de Framboesa — e depois enfiou-o no bolso do pijama.

Nas quartas à noite, quando Willow se deixava adormecer pela segunda vez, revivia a imagem dos lábios vermelhos da mãe a tornarem-se num sorriso e das carícias dos seus compridos dedos quando brincavam com os seus caracóis. E apenas assim conseguia adormecer feliz.

Nunca lhe importou como o tempo passado na casa da árvore a fazia sentir cansada na escola às quintas-feiras. As noites de quarta com a mãe eram definitivamente as favoritas da semana.

 

 

Willow acordou na manhã seguinte no seu quarto em casa do pai ao som do despertador. Abriu lentamente os olhos para as paredes azuis e cómoda branca de vime. Para as almofadas de renda espalhadas pelo chão. Para o sabor da tranquilidade. E depois de novo para o som do despertador.

Rex tinha contado a Willow que o truque para não adormecer era colocar o despertador do outro lado do quarto. — Aí, a única forma de parares o som é levantares-te! — disse a Willow numa manhã em que ela tinha adormecido. Contou-lhe isto enquanto mudava o despertador da mesa de cabeceira para a beira da cómoda na parede mais distante.

Willow calou o despertador com uma chapada e começou as tarefas da lista matinal que o pai tinha feito para ela. Também fez questão de ver se o irmão mais novo estava a cumprir as tarefas dele. Mas como de costume, não estava.

Aos seis anos, Asher Thorpe estava sempre a esquecer-se das coisas. A entornar coisas. A partir coisas. A ir contra coisas. Mas era quase sempre perdoado por tudo isso. Por causa das suas grandes bochechas e queixo redondo, dos seus olhos claros e do seu cabelo louro sedoso cortado à tigela. E, acima de tudo, por causa de estar desdentado sem os dois dentes da frente e ter problemas a pronunciar o R.

Surpreendia toda a gente que dois morenos como Rosie e Rex pudessem ter concebido um rapazinho louro de olhos azuis. Mas fazia sentido a Rex, Rosie e até a Willow que Asher tivesse as características mais generosas, gentis e menos intimidatórias possíveis. Havia uma leveza em Asher que nenhum dos outros Thorpes possuía. Uma leveza da qual Willow era recordada de cada vez que chegava ao quarto de Asher do outro lado da casa e o encontrava a dormir candidamente entre uma pilha de animais de peluche. De cada vez que abanava o irmão para o acordar e ele sorria ao ver a irmã mais velha.

— Lista matinal, Ash — disse Willow, beijando o irmão na testa.

— Ce’to, ce’to! — dizia Asher entre um sorriso e cara sonolenta.

Willow saía do quarto do irmão e completava a lista dela.

 

Escovar os dentes: 30 segundos os de cima, 30 segundos os de baixo;

Lavar a cara: só com sabão facial;

Fazer a cama;

Pentear o cabelo;

Dobrar o pijama;

Vestir: roupa lavada!

Arrumar a mochila: levas todos os trabalhos de casa?

Tomar as vitaminas;

Pequeno-almoço em família.

 

Willow tinha memorizado a sua lista matinal, mas o pai insistia que ficasse colada à porta ao lado da lista vespertina colada com fita-cola ao lado da lista noturna. E Willow era muito diligente em cumpri-la toda, de acordo com os padrões do pai, exceto em dois pontos.

O primeiro onde Willow tinha dificuldades era «Pentear o cabelo». Só porque o seu cabelo era encaracolado e rebelde e penteá-lo só piorava. A mãe tinha comentado com Willow que isso era o tipo de coisas que os rapazes não percebiam e para simplesmente ignorar esse ponto da lista. Mas Willow não gostava de desobedecer, por isso, em vez de passar à frente, passava todas as manhãs a parte de trás macia da escova ao de leve sobre os caracóis.

E depois havia o «Vestir». E apesar de Willow não ter qualquer problema em fazê-lo, o pai nunca gostava da roupa que ela escolhia. E o que vestia era o mesmo todos os dias: leggings roxas brilhantes, t-shirt preta com uma ferradura prateada e ténis-bota pretos da Converse. A mesma coisa todos os dias dos últimos quatro anos. Tinha vários pares de leggings roxas e várias t-shirts iguais. E nesse dia, já no quinto ano, ainda continuava a usar a mesma roupa.

O pai nunca lhe tinha dito uma palavra acerca da roupa. Pelo menos não com a boca. Mas não era preciso, pois Willow conseguia sempre perceber que ele odiava vê-la assim vestida. Todas as manhãs, quando ela lhe dava os bons-dias, conseguia perceber que o tinha desapontado de novo. Ele dizia-o com os olhos, com um subtil cair de queixo e um ténue abanar de cabeça. Talvez fosse a roupa ou talvez fossem os seus joelhos fraquinhos. Talvez fosse outra coisa completamente diferente. Mas fosse o que fosse, o pai nunca olhava para a filha do mesmo modo que a mãe.

Rex ocupava sempre a grande cadeira de madeira à cabeceira da mesa do pequeno-almoço na mesma precisa posição: perna direita cruzada sobre a esquerda; óculos de ler colocados na ponta do nariz; uma caneca de café fumegante na mão direita; uma pilha de apontamentos furiosamente gatafunhados espalhados pela mesa: Vestido com um fato que parecia acabado de estrear.

Com um ar sério. Com um ar poderoso. Com o mesmo ar de sempre.

Rex Thorpe era alto e largo de ombros, que se comprimiam para a frente. Quando se estava suficientemente perto, podiam ver-se os seus olhos pretos sempre a mexerem-se de um lado para o outro sem parar. Estava sempre a analisar o sítio onde estava e quem lá estava. E tinha sempre os lábios contraídos como se estivesse prestes a dizer qualquer coisa. Mas a forma como as suas sobrancelhas se comprimiam uma de encontro à outra, e a forma como o seu queixo se mantinha tenso, eram sinal de que não se queria ouvir o que ele tinha a dizer. Mas quer estivesse a falar ou calado, a olhar para ti ou a ignorar-te por completo, Rex Thorpe comandava a tua atenção sempre que partilhavas o mesmo espaço com ele.

Willow sentou-se à mesa e serviu uma taça de cereais Lucky Charms para o irmão e outra para ela enquanto Rex levantava o braço direito para cima e para baixo como uma máquina a tomar goles esporádicos de café. Willow e Asher usavam as pesadas colheres de prata para levar à boca primeiro os pedaços que não eram de marshmallow. Gostavam de ver de que cores aquela mistura específica de ferraduras, potes de ouro e marshmallows em forma de coração ia tingir o leite. Era um jogo que faziam também em casa da mãe. Depois do leite Lucky Charm assentar numa certa cor, cada um deles ia revolver a caixa de lápis de cera no centro da mesa e procurar furiosamente aquele que mais se assemelhava à cor na taça. Quem anunciasse primeiro a cor mais semelhante ganhava um grande beijo vermelho de Rosie.

Quando jogavam este jogo em casa do pai, Willow e Asher apenas mexiam e olhavam para o leite em silêncio. Mas pelo menos estavam os dois a divertir-se.

Asher quebrou o silêncio quando perguntou em voz muito alta:

— Podemos ir jogar bólingue este fim de semana?

— Talvez, assim que todas as tarefas estiverem acabadas — disse Rex sem levantar os olhos do bloco de apontamentos ao lado da base onde colocava o café.

Willow já sabia que o pai diria algo do género. Porque a série de coisas a que o pai dizia que sim era específica e quase sempre condicional. Podiam ver televisão durante quinze minutos caso a roupa lavada já estivesse dobrada. Podiam comer gelado, com duas coberturas, no máximo, caso não deixassem uma única ervilha no prato. Podiam ir lá para fora, de casacos apertados até cima, mas só depois de terem praticado piano durante trinta minutos. Podiam abrir um pacote novo de cereais quando acabassem o anterior, e só depois de dobrarem o velho para que ficasse eficientemente espalmado para ser colocado no caixote da reciclagem. Ao pai não interessava que já não houvesse nenhum dos seus marshmallows favoritos em forma de ferradura dentro da caixa.

Asher regressou à sua taça de cereais com um «Boa!» e depois mergulhou para debaixo da mesa da cozinha para brincar com as suas figuras de ação. O significou que ficou tudo em silêncio outra vez à mesa do pequeno-almoço. De regresso a um silêncio que desapontava Willow. Ela gostava de barulho, conversa, música e jogos.

Gostava da casa da mãe.

Willow levantou o olhar da sua taça e ponderou perguntar ao pai com que cor achava que o leite se parecia. Mas as têmporas dele dilatavam-se ao mastigar a pastilha cor-de-rosa Bubblicious. Parecia tão sério ali assim sentado. Tão intenso. Tão concentrado nos seus apontamentos.

Por isso Willow tirou o caderno amarrotado de sopa de letras da mochila e procurou a palavra seguinte da lista: FECHO. Willow procurou na grelha pela letra F. Sublinhou a letra com o lápis de cera cor de Doce de Framboesa enquanto olhava para a página. Fez um sorrisinho ao pensar no seu segredo. O segredo de como tinha arranjado aquele lápis. E mesmo que ninguém notasse que Willow estava a fazer um sorrisinho ou a pegar num lápis, ela sentia-se orgulhosa do cilindro de cor-de-rosa escuro na sua mão na mesma. Orgulhosa de ter uma mãe que a amava tanto que se encontrava com ela na casa da árvore a meio da noite. Orgulhosa de ter uma mãe que mexia no cabelo dela todas as quartas à noite. Orgulhosa de ter uma mãe que a deixava sempre ganhar na guerra de polegares.

Willow encontrou a palavra mesmo antes de o «alarme do autocarro» de Rex tocar. Ali estava ela, escrita a meio da página. F-E-C-H-O. Rodeou todas as letras, fechou o caderno e enfiou-o na mochila. Precisava dele para lhe fazer companhia no autocarro. E à hora de almoço. E debaixo do escorrega no recreio. E na sua mente.

Willow levou as taças vazias dela e de Asher para o lava-louça, apertou o seu casaco até acima, depois o do irmão, e então disse «Adeus, pai» alto o suficiente para ele ouvir enquanto saíam para a escola.

— Adeus, meninos! — gritava Rex em resposta do seu lugar à mesa da cozinha.

Se Willow criasse uma lista matinal de tarefas para o pai e a colasse com fita-cola à parede, não diria verifica os teus apontamentos ou aperta a gravata. Só diria uma coisa: «Dar um beijo de despedida à Willow e ao Asher.»

 

 


[1] Doces inspirados no filme Charlie e a Fábrica de Chocolate. São uns canudos com açúcar ácido que dão estalidos na língua.

Capítulo 3

 

 

 

 

 

 

Há doze anos

 

Quando Rosie chegou ao seu salgueiro preferido ao pé do reservatório Jacqueline Kennedy Onassis pela décima quarta vez em catorze dias, tirou o capacete e encostou a bicicleta contra a casca rugosa do tronco. Depois começou a subir. O quarto ramo do lado esquerdo era o seu favorito para se sentar. Podia ouvir o marulhar da água e os murmúrios das conversas lá em baixo, sem que alguém a visse ali em cima. Sentava-se na árvore e fazia desenhos, escrevinhava rimas e escrevia bilhetes a amigos em cidades distantes.

Há duas semanas tinha saído da florista Blooms depois de Rex ter entrado aos gritos e tinha decidido que não ia regressar. E se se tivesse dado ao trabalho de ouvir as mensagens, provavelmente teria descoberto que tinha sido despedida, de qualquer modo.

Pegou nalguns pacotes de Pixy Stix dispersos na sua mala de lona e abriu-os. Deitava parte do açúcar na boca e o restante no bloco de notas. Os cristais roxos espalhavam-se de forma tão bonita na página. Juntou algum laranja, seguido de vermelho, e misturou-os em círculos com a ponta dos dedos.

Arte, pensou. Lindo. Enfiou a língua no montinho, para provar, e depois soprou o resto do açúcar do bloco de notas. Rosie ficou a ver os cristais coloridos a espalharem-se no ar e a caírem em direção ao chão.

— Mas que merda? — explodiu uma voz familiar vinda de baixo, inconfundível, que ela não conseguia esquecer. Aquela forma incisiva como Rex Thorpe disse «merda».

Normalmente, Rosie ter-se-ia desculpado, mas de modo algum ia pedir desculpa àquele idiota bem-parecido. Não depois da forma como a tinha tratado. Não depois da forma como tinha tratado o amor.

Desceu da árvore preparada para se afastar dele pela segunda vez em duas semanas. E quando o fez, o seu vestido virou-se revelando a sua roupa interior às bolinhas. Assim que o tecido colorido voltou ao lugar, Rosie e Rex cruzaram os olhares.

Houve uma pausa.

— Ei, eu conheço-te. Trabalhas na florista. Escreveste aquele bilhete para a minha namorada. Aquele com o maldito poema de amor do E. E. Cummings.

Outra pausa.

— Aquilo foi completamente marado.

Rosie ajustou o vestido, semicerrou os olhos e decidiu guerrear. Mas apenas por um segundo.

— O teu bilhete é que era completamente marado.

— A sério? Então porquê? — ripostou Rex de imediato, pronto para a luta.

Rosie esteve quase a afastar-se só com uma careta, mas depois deixou escapar uma frase.

— Até a Maléfica tinha algo de original que dizer à Bela Adormecida.

Em vez de ripostar, Rex ficou só ali especado a olhar para ela. E depois desatou a rir. Tinha achado a resposta de Rosie bizarra, imatura e adorável.

Rosie tentou escapar a Rex pela segunda vez, de saco de lona na mão. O seu corpo agitava-se da mesma forma estranha e encantadora de há duas semanas na florista Blooms. Mas desta vez havia respostas estranhas e uma cativante roupa interior às bolinhas.

Rex pensou em Anabel. Ela nunca se mexia assim. Ou vestia assim. Ou falava assim. Tinha sempre uma postura reta, o pescoço esticado e uma camisa acabada de sair da lavandaria.

Ele ficou surpreendido por descobrir como tudo em Rosie o enternecia, ali mesmo, debaixo daquele salgueiro. Especialmente aquela forma estranha de tentar escapar do encontro. Rosie marchava determinada numa direção. Depois virava-se de repente e marchava igualmente determinada na direção oposta.

Mas Rex tinha posicionado o seu corpo mesmo em frente de Rosie e olhava fixamente para baixo para ela.

Rosie levantou muito lentamente a cabeça e voltou a fitá-lo nos olhos.

Rex focou os grandes olhos castanhos até lhe conseguir ver a alma, os ossos finalmente parados, e o coração. O seu coração acelerado.

Sentiu o próprio coração a acelerar e naquele preciso momento começou a acreditar na força única e invisível do amor.

E aquilo fez com que Rex desejasse Rosie. Tão profundamente. Tão visceralmente. E quando Rex Thorpe queria alguma coisa, tinha de consegui-lo.

Por isso, ali mesmo ao lado do reservatório Jacqueline Kennedy Onassis, Rex Thorpe encostou Rosie Collins contra a casca do salgueiro e beijou-a na boca com doçura.

Foi o melhor beijo da vida de Rex.

Mesmo que ainda houvesse restos de Pixy Stix na boca e cabelo dela.

Rosie ainda tinha os olhos fechados quando perguntou lenta e calmamente:

— Achas que te vou voltar a ver?

Então Rex fitou as pálpebras ainda fechadas de Rosie e respondeu com sinceridade:

— Tenho a certeza.

Rex Thorpe foi para casa, fez uma reserva no restaurante mais impressionante de que se lembrou e disse simplesmente a Anabel que lamentava, mas não a amava.

Pois Rex Thorpe tinha finalmente descoberto o que era o amor. Sabia a Pixy Stix e usava roupa interior às bolinhas.